OPRESSÃO E RESISTÊNCIA
ANTÔNIO DE MONTESINOS
É realmente estonteante a história da colonização-exploração de nosso continente, mas os fatos históricos, que são dialéticos, mostram-nos muita audácia e profetismo de algumas figuras marcantes, as quais se levantaram, sempre em partes, contra o sistema vigente da época. E nessa dimensão, incluem-se os frades dominicanos, ainda que revestidos de muitos paradoxos.
Frei Antônio montesinos, um frade dominicano espanhol, distinguiu-se por sua coragem de reagir contra o genocídio que acontecia nesta nossa Abia Yala. Os “indígenas” vinham sofrendo, sistematicamente, desde a chegada desses colonizadores violentos e vorazes por riquezas. Montesinos proferiu um sermão, em 21 de dezembro de 1511, num domingo, que iniciou uma tremenda revolta entre os grandes colonos e fazendeiros. O sermão, diferentemente dos convencionais, ameaçava, contundentemente, aqueles que possuíam muito à custa dos nativos explorados e vilipendiados.
A reação foi severa e rápida: os ricos colonizadores começaram a acusar o frade de incitar revoltas e de não entender de teologia. Houve diversas retaliações a Montesinos, mas ele não desistiu nem se amedrontou diante dos desafios de ser profeta. Frei Montesinos não fugiu dos sistemas que comandavam a sua época, como é impossível a qualquer ser histórico, porque ainda que haja outras possibilidades de consciência, jamais podemos estar ser totalmente a parte de nossa realidade histórica. Por isso, os julgamentos a Montesinos devem ser ponderados à luz de sua própria realidade, não da nossa, principalmente da realidade de Século XXI.
Montesinos foi, realmente, uma voz de resistência àquele sistema opressor, que destruía a cada dia a cultura e a vida dos povos nativos e donos desta terra. O sermão de Montesinos, ameaçando ao fogo do inferno os grandes exploradores, foi e será sempre subversivo, pois faz opção pelos mais abandonados e explorados, e todos que optam por essa causa foram, são e serão perseguidos.
A EXPERIÊNCIA DE TEPEYAC-GUADALUPE
O monte Tepeyac, situado na moderna Cidade do México, é um símbolo de esperança e resistência daqueles que são oprimidos todos os dias por este sistema perverso do capitalismo selvagem. Podemos aludir ao episódio de Guadalupe como o momento ápice de resistência no Continente “Americano”, pois é lá que ocorreu a vitória do simples sobre o luxuoso, do pequeno sobre o grande, dos povos sobre os impérios.
Em 9 de dezembro de 1531, um índio chamado Cuauhtlatóhuac (Juan Diego) teve uma visão da Virgem Maria, Mãe de Deus (doutrina ensinada principalmente pelos franciscanos), exatamente no monte onde se venerava a deusa mãe dos Astecas, Tonantzin. Foi a partir dessa visão que se inicia uma batalha entre os sofridos e abandonados e a estrutura dominante da Igreja e da colonização depravada.
O índio Cuauhtlatóhuac é interpelado pela virgem a enfrentar o bispo franciscano Juan de Zumárraga. Os pobres começam a resistir às estruturas que esmagam as suas vidas. É exatamente na história dessa luta entre o bispo (dominadores) e a Virgem (dominados) que podemos entrever um passo de conquista na história de nosso continente. As estruturas dominantes são inexoráveis, não se rendem nem mesmo às provas do indígena, mas a resistência jamais desiste e luta até a conversão do próprio bispo, ou seja, a mudança de sistema social.
Guadalupe nos ensina como enfrentarmos as realidades de opressão e miséria que nos acompanham e se nos impõem neste Século XXI, a Era do Cyber e dos Nanos! Que a cultura dos oprimidos que lutam jamais se percam nas profundezas dos calabouços da História, mas que sejam sempre setas que indicam a forma de fazermos uma sociedade mais justa e partilhada. É isso que o evento Guadalupe quer nos indicar.
A ESCRAVIDÃO NEGRA
Não há um capítulo mais hediondo em toda a nossa História do que a escravidão dos negros. Seres humanos, arrancados de suas terras, de suas famílias, de suas religiões e de suas culturas para se transformarem em máquinas de produção, mas com a diferença de sentirem dores e de terem negados os seus direitos de humanos.
É sabido que os primeiros escravos vindos da África chegaram em 1505 nestas terras “americanas”, especialmente à Ilha La Española (atual República Dominicana). Foram mais de quatro séculos de pura dor e exploração humana, tudo isso devido à cor da pele desses povos sofredores. É evidente que havia uma mútua ajuda entre os exploradores europeus e os exploradores africanos, pois também existiam os que se beneficiavam com o tráfico negreiro na África. As condições de transporte da África até o Novo Continente eram inimagináveis, mas podemos imaginar, analisando o poema Navio Negreiro, de Castro Alves:
Era um sonho dantesco... o tombadilho/ Que das luzernas avermelha o brilho./ Em sangue a se banhar. / Tinir de ferros... estalar de açoite.../ Legiões de homens negros como a noite,/ Horrendos a dançar.../ Negras mulheres, suspendendo às tetas/ Magras crianças, cujas bocas pretas/ Rega o sangue das mães:/ Outras moças, mas nuas e espantadas,/ No turbilhão de espectros arrastadas,/ Em ânsia e mágoa vãs!/ E ri-se a orquestra irônica, estridente.../ E da ronda fantástica a serpente/ Faz doudas espirais .../ Se o velho arqueja, se no chão resvala,/ Ouvem-se gritos... o chicote estala./ E voam mais e mais.../ Presa nos elos de uma só cadeia,/ A multidão faminta cambaleia,/ E chora e dança ali!/ Um de raiva delira, outro enlouquece,/ Outro, que martírios embrutece,/ Cantando, geme e ri!
Não há necessidades de dizer que o sofrimento dessas pessoas foi imenso e condenável. Na houve vozes a defender esses simulacros, espectros de vida, depois da grande barbárie da escravidão. A Igreja se punha a favor dessa forma de escravizar os pagãos, dando respaldos a esses atos infames com a sua teologia celeste. Deus, com certeza, chorava amargamente por ver tanto sofrimento e desprezo pelos seus entes mais queridos, que eram vituperados e mortos todos os dias. Mas houve resistência. A cultura foi preservada veladamente. Os seus deuses adaptados. As suas memórias, preservadas. Ninguém pôde tirar a vivacidade e a riqueza cultural desses nossos veneráveis irmãos: os negros! Valentes e resistentes, exemplo para todos nós!
JOSÉ LUÍS QUEIMADO!
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